sábado, 15 de junho de 2013

Perdeu, Playboy!


Os rumores são fortes e muitos jornais sérios (existe isso?) dão como certo o cancelamento de várias revistas pela Abril, inclusive as mais icônicas. Mesmo já tendo sido líder no ramo por décadas, a decadência lenta e agonizante não perdoôu. A revista Playboy está em vias de encerrar suas actividades no Brasil, se um improvável milagre não acontecer.

O leitor típico da revista, ao contrário do que pode parecer, ficou órfão desde que os ensaios se tornaram pífios, e as capas passaram a configurar propaganda enganosa. Não é de hoje que eles abusam da edição de imagens. Houve época em que as playmates eram facilmente reconhecidas pelas ruas, apesar da produção toda envolvida, que visava acentuar ao máximo seus dotes. Hoje este é remoto, pois o que se vê nas páginas da revista, muitas vezes nada tem a ver com quem posou para as photographias.

Transferir a cabeça de uma actriz veterana para o corpo de uma modelo jovem, foi o golpe de misericórdia na pouca confiabilidade que ainda tinha. De falso por falso, o leitor passou a preferir as hentais suaves, e a volta às pin-ups clássicas, pelo menos há a mão de um artista de verdade para valorizar uma obra claramente fictícia. Nesta esteira, os ensaios com pin-ups retrôs de verdade ganharam espaço.

Já o público exclusivamente onanista migrou há anos para revistas mais apelativas, ou de conteúdo e linguagem mais agressivos, ou ambos. Sim, porque o ex-leitor da Playboy tinha mais entretenimentos. As charges e tiras de humor eram realmente engraçadas, com arte bem feita e linguagem condizente, tanto com o ramo da revista quanto com o nível que ela propunha.


Por muitos anos ela actualizava os leitores com novidades tecnológicas, não simplesmente pelo apelo tecnológico, mas pela utilidade que o artefato pudesse ter. Foi, por exemplo, uma das primeiras revistas no país a abrir os olhos do empresariado para a importância de se aderir rapidamente à informática, dizendo "Só há uma coisa que o computador não pode fazer por você... ainda".

Lembro também de séries de artigos de utilidade pública, como o que fazer, em caso de se sobreviver a um acidente aéreo. O artigo em questão avisava para não contar com a ajuda da tripulação, que poderia estar morta, embora histórias de heroísmo dignas de cinema recheiem o mundo da aviação, bem como para que se deixasse a bagagem para trás, porque ela provavelmente só atrapalharia, especialmente se o acidente fosse em alto mar.

As entrevistas então, eram apoteóticas. Quase tudo o que os políticos negam na cara dura, eles confessavam à Playboy, ficava tudo bem claro para o bom entendedor. Da mesma forma, crônicas do mundo dos negócios mostravam claramente que o corporativismo ainda tinha, e provavelmente ainda tem, muito apelo familiar, entre os acionistas majoritários. Ou seja, muita coisa ainda anda ou trava por picuinhas domésticas.

As indicações de novidades, quase todas importadas, até hoje, eram sucintas, mas completas. Indicar um carro esporte, por exemplo, usava mais adjetivos do que apelos adolescentes, com mais do que onomatopeias para convencer o leitor de que aquele carango valia à pena.

Ah, claro, também havia resumos e resenhas de livros que o editorial recomendava, e geralmente ele acertava. Haver uma estória, ou história interessante era o mínimo necessário à recomendação. A seção de cinema, então, era implacável, não tinha mesmo pena de absolutamente ninguém, não importando o nome por trás da obra; recomendava a framboesa de ouro sem dó.

E, claro, aquelas mulheres bonitas eram realmente bonitas, mesmo sem luz e maquiagem, podiam ser facilmente reconhecidas ao vivo, com seu glamour natural e o frescor de sua feminilidade sem truques. Hoje, que lástima, não passa de uma vitrine de canastronas de reality show do mais baixo nível, que podem ser verdadeiras ogras, mas têm ensaio garantido em suas páginas; tanto quanto é garantido que ninguém vai reconhecê-las nas ruas. Mais do que erotismo, era uma ode à beleza.

A tecnologia facilitou muita coisa, mas em muitos casos foi a perdição de marcas consagradas, que se renderam ao apelo fácil e traíram seu séquito fiél de leitores, que lhes custara anos para cativar. Nem falo em actualizar linguagens e estilos, isso é indispensável, falo de se renderem aos apelos baixos mesmo. No caso, de trocar uma mulher de fino trato por uma baranga que dá fácil e o whisky ajuda a maquiar. No desespero, em vez de criatividade, se afundaram na facilidade.

Claro, alguns vão dizer que a Globo teve parte da culpa nisso, impondo suas tuteladas. Não tenho tanta certeza, mas também não duvido. O certo é que agora, voltaremos ao tempo de importar revistas do gênero, se quisermos algo que valha à pena guardar.

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