sábado, 2 de junho de 2012

A luz de Clara

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Quando os americanos foram cobrar satisfações por Pearl Habor, uma guerreira de outra estirpe desceu à terra. Sob as bênçãos de Iansã, em 12 de Agosto de 1942, em Paraopeba, Minas Gerais, veio ao mundo Clara Francisca Gonçalves Pinheiro. Adoptou Nunes já adulta, era o sobrenome de solteiro da mãe.

Embasada pelas Rainhas do Rádio, sempre gostou de cantar, mas nunca conseguiu ser imitadora de alguém, seu estilo era forte demais para isso.

Com quatorze anos ganhou um vestido azul, prêmio por vencer um concurso de música, cantando "Recurdos de Ypacarai". Aos dezesseis se apresentava em programas de rádio, ainda como Clara Francisca. Era abrir a boca e encantar todo mundo, como que por feitiço.

Era tecelã, profissão herdada do pai. Foi Para Belo Horizonte às pressas, morar com irmãos Vincentina e Joaquim, outro irmão assassinara seu namorado. A rudeza do destino, porém, não fez a vida parar e ela se virou, trabalhando em uma tecelagem. Enquanto tecia, se construía, fazendo o curso normal à noite.

Ainda como tecelã, tirou o terceiro lugar no concurso "A voz de ouro ABC". Passou a cantar na Rádio Inconfidência, senco considerada a melhor cantora mineira por três anos seguidos.

Nos anos sessenta conheceu Aurino Araújo, que apresentou-lhe a muitos artistas, e viria a ser seu namorado por uma década. Foi quando trocou o nome, sugestão de Cid Carvalho. Sábia sugestão.

Apareceu na televisão pela primeira vez, e então era necessário ter mérito ou pistolão para ser televisionado, no programa de Hebe Camargo. Durante um ano e meio teve seu programa exclusivo, o "Clara Nunes Apresenta", na TV Itacolomi.

A sambista mudou-se para o Rio de Janeiro em 1965, fixando-se em Copacabana. Foi a fronteira que sepultou Clara Francisca e deu vida plena a Clara Nunes. O mar a atraía e ela viria a saber porquê, não só saber como interagir.

Em 1970 apresentou-se em Luanda, a convite do grande Ivon Curi. Genhou a maturidade profissional em 1972, com "Clara Clarisse Clara", quando deu o acabamento no seu estilo de samba. Quebrando um tabú perverso, foi a primeira mulher a vender mais de cem mil cópias de um álbum, o compacto simples "Tristeza, pé no chão".

A índole materna da moça doce e combativa foi frustrada por três abortos espontâneos, que a levaram a tirar o útero em 1979, para poupar-se do trauma de um quarto. Detrás daquela postura de rainha, havia uma mulher emocionalmente muito sensível. Sensível e sensitiva, ela teria previsto a proximidade de sua morte. "Se previu, como não evitou"? Da mesma forma como não se evita o choque com o chão, em uma queda livre. Iansã domina as tempestades, ventanias, raios e a morte; Para quem sabe ler, isto é o livro completo.

Sua marca registrada, e um dos motivos de seu sucesso, rendeu-lhe muitos inimigos entre os fariseus dogmopatas. Mesmo não aceitando o rótulo de "cantora de macumba", se bem que ser simplesmente sambista era muito pequeno para ela, Clara tingiu os cabelos de vermelho e passou a apresentar-se com trajes que remetiam à umbanda, sua philosophia espiritual. Também irritou os militares, os mesquinhos, não os sãos, quando gravou "Apesar de você". Sinal de que era mais famosa do que imaginava, para incomodar a cúpula. A obrigaram a gravar o ino das olimpíadas do exército, o que fez sem constrangimentos. Mas a música dura até hoje... e ainda hoje encontra alvos.

Era exímia conhecedora das culturas africanas, de suas tradições, sua religiosidade e tudo mais. Neste ponto, como sacerdotisa musical, era uma pessoa forte, que não se abalava com ataques e ironias. A fragilidade era pessoal, íntima, restrita às suas sombras, tão densas e negras quanto sua luz era forte. Longe de ser inocente e indefesa, como sua aparência poderia sugerir aos amantes do lugar comum.

Não era uma mulher simples de se lidar, dominava facilmente as pessoas, às vezes sem querer. Talvez as lembranças de ver, com quinze anos, o namorado morto a facadas, a tenha deixado protetora demais. Embora seja uma característica desejável em muitos casos, pode desencadear uma personalidade tirana, fazer a pessoa acreditar que sabe o que é melhor para o outro. Com isso dominou uma comunidade inteira, a da Portela.

Deixou-nos em 1982, no Rio de Janeiro, em 2 de Abril, em decorrência de um choque anafilático com a anestesia, quando iria operar de varizes. Muitas lendas, algumas delas plantadas por quem a odiava, falam que morreu depois de uma surra do marido, ou tentando fazer um aborto, o que era impossível, ainda falam que o bruxo Tio Chico teria cobrado na sua vida os favores feitos em rituais macabros.

Em 2007, Vagner Fernandes lançou "Clara Nunes - Guerreira da Utopia", biographia que o jornalista terminou após extenuantes investigações, e cujo título dá uma idéia clara da personalidade da cantora.



Há um "blog oficial" dela, veja clicando aqui.
Um fã blog aparentemente abandonado, clique aqui.

4 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Justa lembrança,Clara nunes é inesquecível.

Nanael Soubaim disse...

E indefectível.

Lu Oliveira disse...

Olá,

Muito bacana esta postagem!

Abraços,
Lu Oliveira
www.luoliveiraoficial.com.br

Nanael Soubaim disse...

Outro, Lu 8-)