sexta-feira, 13 de maio de 2011

O que aprender com o Pato Donald

Um pato mais humano do que muita gente!
Ao contrário do que diz muita gente de nariz empinado, que repete ad infinitum, é possível ter boas e sólidas lições com qualquer manifestação, mesmo os desenhos animados do He-Man. Não, não estou exagerando, até daqueles desenhos toscos e pobres em roteiro eu consegui extrair algo de útil; se bem que o bom humor e a ironia fina das alfinetadas trocadas entre mocinhos e vilões, compensavam a pobreza técnica.
Mas há uma fonte quase inesgotável de aprendizado, que me acompanha até hoje. É a Disney. Com todas as escabrosidades que se ouve falar dela, a parte artística dá um show quando é para unir entretenimento e aprendizado. Quem vai pagar o pato desta vez é (ver) Donald Duck, com quem aprendi algumas lições como...
  • Ter parente rico não é ser rico.Quando precisa, Donald vai na cara dura pedir um empréstimo, se consegue submete-se às condições  do tio com toda a humildade, se não consegue os dois brigam feito cão e gato, mas no dia seguinte estão conversando de novo. Donald sabe que não pode contar com a sorte do Gastão e muito menos com a fortuna do Patinhas, então se vira com qualquer emprego. Donald não rejeita emprego, qualquer um que consiga exercer ele aceita, sem orgulhos. Seu carro é velho, mas bem conservado, e sua casa é humilde, mas nada falta lá dentro. Por isso mesmo vem a segunda lição;
  • Nunca adule ninguém. É certo que o esquentado costuma falar mais do que o bico e acaba se arrependendo depois, mas Tio Patinhas sabe bem que não deve irritar o sobrinho à toa. Donald não é orgulhoso, mas tem amor à própria dignidade. Enquanto os outros falam mansos e submissos ao quaquilhonário, ele consegue colocar o tio na linha com um bom arranca-rabo, gritando no mesmo tom. Fortões? O vizinho Silva sabe que deve manter uma esporadicidade prudente, no contacto com o marinheiro briguento; sim, pra quem não sabe, Donald serviu na Marinha durante a Segunda Guerra. É baixinho, mas é casca-grossa. Ele sabe manter o respeito e não abre mão dele;
  • Errar é humano, reincidir é burrice, se conformar com o erro é ser uma ameba. Tombos em profusão, em todos os episódios e quadrinhos, em filmes e programas de tevê. Donald muitas vezes esteve às portas do sucesso financeiro, caindo no último instante por um erro próprio, por trapaça de inimigos, por falar pelos cotovelos, por perder o controle e destruir tudo, pela combinação de algumas ou todas juntas. Donald se esforça para jamais cometer o mesmo erro e, principalmente, sob hipótese alguma se deixa dominar por ele. Na aventura seguinte já está se estrepando de novo, mas por causa de um erro inédito e tão espetacular que deixa os outros ao redor abobalhados, como que pensando "Putz! Como foi que não cometi essa asneira há mais tempo? Valeu, Pato!". Depois do tombo ele se vira com qualquer bico honesto para sustentar os sobrinhos;
  • Pai é quem cria. Tenho curiosidade para saber quem são os pais biológicos de Huguinho, Zezinho e Luizinho. O pai de facto é bem conhecido, chama-se Donald Fauntleroy Duck. Solteirão convicto, há décadas enrolando Margarida, Donald cria os sobrinhos do jeito que consegue. Ninguém ganha presentes só porque quer, principalmente porque ele sabe o quanto custa ganhar cada centavo. Se adiantou, sabendo que mentes vazias não produzem o que presta, e os colocou no escotismo, onde os trigêmeos se encontraram. Não que tenham se tornado santos, o que dá pistas da índole dos pais, mas estão crescendo longe da delinqüência e tomando gosto pelo serviço à comunidade. Afinal ele não é um pedagogo, precisa de ajuda e buscou no lugar certo, em uma instituição semi-militar, vida que ele conhece bem;
  • The love is in the air. Sim, desde 1937 que ele enrola a namorada, mas é por culpa da própria Disney, que só os fez se casar em episódios esporádicos. Nos bastidores ninguém sabe, são discretos. Margarida é a única pessoa no mundo que põe um pouco de medo nele, quando ameaça terminar tudo para que tome jeito e trate as pessoas como se deve, então ele chora! O marinheiro que enfrentou o Eixo chora feito um patinho recém-saído do ovo. Ela sabe que o namorado vai aprontar de novo, mas eles se amam. O modelo de romantismo do Pato não é água com açúcar. Ele até declama algumas poesias, faz serenatas, leva presentes que suas poucas posses podem comprar, mas é muito prático e inquieto para fazer uma novela mexicana. Seu romantismo não é grosseiro nem meloso, é autêntico, e a garota está com ele há mais de setenta anos;
  • Medo não é sinônimo de covardia. Lembremos, Donald foi militar, ele conhece o inferno dos bombardeios e a necessidade de avançar para ter uma chance mínima de sobrevivência. Quando sozinho, ele evita brigas com brutamontes, sabe o quanto dói um murro no bico. Mas basta que um dos seus seja tocado e... Aha!!! O pato baixinho e branquelo se volta a ser o soldado com um nazista na mira. Se tamanho fosse documento, ninguém fugiria de marimbondo. Coragem não é genética, é necessidade, e nosso amigo vive no fio da meada. Quem se atira ao perigo por gosto é estúpido;
  • Um mico a mais, um gorila a menos, que diferença faz? Donald vive sendo exposto ao ridículo pela própria trama de cada filme. Acontece que se ele não o fizer, não paga as contas do mês. Foi por necessidade que ele aprendeu a não se levar à sério. Desde que a situação não tenha sido provocada deliberadamente, não há saída senão engolir seco e sair de fininho. O constrangimento passa. Até porque a maior parte das situações vexatórias nasce de seu próprios descontrole, como é com todo mundo. Vais fazer o quê? Dar um murro no próprio nariz? Será um mico a mais;
  • Mais presta quem se presta. Não foi uma, não foram duas, nem três, nem quatro, foram inúmeras as vezes em que só tinham Donald com quem contar. Bronca? E ele vai se furtar o direito (e às vezes deleite) de dar uma reprimenda a quem merece? Mas o repreendido sabe que terá um pato prático e persistente à frente da empreitada. Ele não se esquiva do trabalho duro e árduo, não mede serviço e fica mais tenaz quanto mais o problema o irrita. Não é raro ele carregar todo mundo nas costas, até o fim da jornada. Por mais brigão e estourado que seja, ninguém sai de sua presença sem uma ajudinha que seja. O melhor é que os bons exemplos estão sendo repassados aos sobrinhos, porque é com os adultos que as crianças realmente aprendem;
  • Quem faz bem feito, faz falta. Novamente Tio Patinhas e Pato Donald. Nesta dança medonha de admite-demite, admite-demite, admite-demite, o escocês sabe que o sobrinho é a única pessoa a quem pode confiar um trabalho sério. Gastão é carismático e elegante, mas não quer nada com nada. Peninha é a simpatia em pessoa, mas mal tem competência para respirar sozinho. Margarida não é da família, mas ele espera que um dia se torne. Resta-lhe Donald, que enfrenta os Irmãos Metralha quando o sangue ferve e vale por um cão de guarda. Não adianta o velho Patinhas espernear, é o sobrinho quem faz o serviço como ele quer que seja feito, com os resultados que ele quer ver e pelo salário miserável que quer pagar... Aqui ele leva o tombo, pois com o serviço em mãos o sobrinho com freqüência lhe cobra o preço justo, que ele paga chorando. Ficam algum tempo sem se falar, por causa da pãoduragem do Patinhas, mas é só um serviço de responsabilidade surgir que o empresário sabe a quem recorrer. Na vida real, os empregadores têm o mesmo comportamento... Salvo, claro, os panacas que estão falindo um a um, por não terem se adequado aos novos tempos. Já vão tarde;
  • Quem lê bem, lê um ponto. Quem lê mal, não entende o conto. Disney, com todas as controvérsias e teorias conspiratórias que o cercam ainda hoje, soube colocar em seus filmes uma série de entrelinhas que as gerações seguintes perceberam prontamente. A papagaiada politicamente patética, que impede as pessoas de separarem um quadrado azul de um círculo vermelho, é recente. Enquanto personagems descartáveis e politicamente patéticos surgiam e sumiam (graças à Deus) do cinema e das bancas, Donald permanecia firme até um público suficientemente grande perceber que entrelinhas ensinam melhor do que "meu bumbum tá doendo porque alguém bateu nele". Não se trata de ser um idiota politicamente incorrecto que ofende para ter audiência, trata-se de respeitar a inteligência do espectador, saber que ele não precisa engolir regurgitados, é capaz de mastigar uma fruta dura por conta própria, ainda que em pedaços pequenos. O cérebro é que comanda o corpo, precisa de exercícios constantes e dificuldades progressivamente maiores para não atrofiar. Se ele atrofiar, há outro órgão riquíssimo em neurônios para tomar seu lugar: o intestino. Melhor rever um bom desenho, ou pesquisar depois o que não se entendeu, ou ambos, do que ter uma lobotomia politicamente patética ou deliberadamente ofensiva atrofiando as sinapses.
Enfim. Eu poderia ficar aqui a noite inteira, mas o pato também ensina a não ultrapassar seus limites sem necessidade, pois ele não dispensa uma sesta depois do almoço. A quem já viu e não conseguiu ver estas lições, é uma pena. Talvez o conceito de desenho animado tenha mudado demais e vocês sejam muito jovens, já tendo nascido com a perda de conteúdo. Eu conheço o que vocês vêem, então posso pedir que vejam desarmados os desenhos clássicos. Se surpreenderão.

2 comentários:

Adriane Schroeder disse...

Uma faceta que é pouco destacada do Donald é que, por trás de sua imensa rabugice existe um coração ainda maior.

Nanael Soubaim disse...

É que quase ninguém quer ver as virtudes de alguém, especialmente se esse alguém faz parte dos inimigos eleitos pelo indivíduo.