sexta-feira, 29 de abril de 2011

Dona Neusa descansa em paz


Eu? Morta? Mintchura!!!
 Dona Neusa teve uma vida difícil. Abastada, cheia de mimos, mas muito difícil.

O pai estava tão empenhado em resolver os problemas do Brasil, que não se dava conta dos problemas dentro de sua própria casa.


Com o tempo a menina rebelde começou a dar mais problemas do que o esperado, mas pesava a seu favor o coração mole e quente que sempre teve.


No início dos anos oitenta, com o pai governador, tentou a carreira como cantora. Valeu como curiosidade, como experiência, pois o sucesso relativo foi efêmero.


Insatisfeita, aceitou convite para posar nua. Todo mundo (mundo artístico) que usava saias posou nua naquela época, por que ela não poderia? Posou, mas o pai pretendia ser presidente e o partido aconselhou a tomar providências contra, para qualquer eventualidade e evitar ataques adversários. Ele proibiu a circulação da edição. A carreira de modelo de Neusa estava abortada. Ela não queria chocar, queria chamar a atenção do pai e, de lambuja, ter uma profissão honesta.


Ser filha de político influente, porém, não rendeu-lhe a impunidade que vemos todos os dias, com filho de ministro atropelando e matando, para sair impune e ser esquecido em poucos meses. Ela foi aos morros comprar drogas, a polícia a prendeu e presa ela ficou, ao menos por algum tempo.


Neusa caiu no esquecimento, seu único sucesso também.


Antes de ontem, ainda nova para tanto, Dona Neusa morreu. Aliás, desencarnou, pois gente de bom coração não morre. O fígado, atacado pela juventude desregrada, agravou os problemas pulmonares e seu corpo não resistiu.


O que mais impressiona na passagem de Dona Neusa não é nem a ingratidão do público. Afinal, se na época ela não era um gênio musical, hoje o espectador aceita placidamente a degeneração da musicalidade, diante da qual ela era óptima cantora. O que impressiona é a notícia suscitar a leviandade de trolls de internet, gente que não a conheceu e tece comentários torpes sobre sua vida e seu caráter.


Gente que a conhece, porém, e para minha agradável surpresa, relata cousas que a imprensa não mostrava. Neusa, Neusinha para quem mereceu sua amizade, era uma pessoa boa e costumava ajudar brasileiros em dificuldades no exterior, especialmente em Portugal. Que ela usava drogas não era novidade, foi o que minou sua saúde. Falar mal dela por isso e usando-a para atacar seu pai, no entanto, mostra porque o brasileiro ainda é tão mal visto na internet.


Porra-louca, sim, ela foi. Uma porra-louca de coração nobre, oh, túmulos caiados. Alguém que fez pelos patrícios o que seus detratores não fariam se pudessem. Não estou santificando Neusinha Brisola, estou mostrando a mulher humana que a imprensa se recusava a mostrar na época, e que os trolls inúteis se recusam a ver hoje.


Eu, integrante da parcela de brasileiros que é bem-vinda em fóruns mundo afora, sem falsa modéstia, presto uma homenagem a uma das mais icônicas representantes dos anos oitenta. Uma cantora(?) que divertiu muito e fez nascer piadas infames como...
- Ei, sabia que a Neusinha brisola morreu?
- É verdade??!
- Não, é mintchura! Rá, rá, rá, rá...


Infelizmente desta vez é verdade. Para quem não conheceu, apresento Neusinha Brisola!!!



Seu maior sucesso, "Mintchura":

6 comentários:

Renato Rodrigues disse...

Gostei muito de seu texto, Nanael.

Foi o único que li até agora que tratou ela como uma pessoa e não como uma "personagem que era filha de outro personagem" que é como imprensa a está tratando.

Parabéns mais um vez!

Adriane Schroeder disse...

Tem muita coisa estranha na vida de Neusinha. Mas o que mais me espanta é o quanto as pessoas doces e sensíveis são presas fáceis para as drogas.

Nanael Soubaim disse...

Pessoas doces e sensíveis são mais solícitas, por isso mesmo mais usadas, também por isso mais propensas a ter decepções. Caberia aos pais dar a devida atenção.

Renato, eu tenho facilidade em enxergar o que há detrás da fama e dos títulos, eles não representam nada para mim.

Khalila Neferet disse...

Excelente abordagem.Fiquei a vontade por aqui. Dificilmente vemos senso crítico sem o verniz arrogante da pretensão e do narcisismo elitista e ingrato. Tudo aqui é leve, franco, e espontaneo(na minha opinião). Senso analítico sem esnobismo e outros subterfúgios de gente insegura que cospe complexos de superioridade.Parabéns e R.I.P Neuzinha.

Renato Rodrigues disse...

Aí, Nanael, segue aqui um texto de um colunista (do jornal O DIA aqui do Rio) que achei bacana também, saiu hoje no caderno cultural:

http://odia.terra.com.br/portal/diversaoetv/html/2011/4/neuzinha_brizola_nao_foi_a_mulher_mais_louca_do_seu_tempo_161449.html

Nanael Soubaim disse...

Beleza, Renato. Gosto de ver gente sendo tratada como gente.