sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O garoto de Curitiba



Ele jura que este não é seu alter ego

Findo os trabalhos de blogagem do ano falando de um amigo curitibano.
Este amigo nasceu em uma casa tão pobre, mas tão pobre, que eles precisavam escolher entre ter paredes ou ter teto, não podiam pagar pelos dois ao mesmo tempo. Na seca tinham paredes, na época da chuva tinham um telhado suspenso miraculosamente no ar, mas quando o tempo enlouquecia eles se lascavam bonitinho.
Contudo e porém, o garoto de Curitiba não desanimava. Perseverança? Que nada! Pura teimosia mesmo. Ainda cedo começou a fazer seus primeiros rabiscos. No começo eram rabiscos toscos, borrados e sem nenhum profissionalismo, todos diziam que até uma lesma com diarréia desenharia melhor. Hoje ele sabe que profissionalismo é fundamental, profissionalizou-se, mas o resto continua a mesma cousa.
O garoto de Curitiba tinha um sonho, que realizou parcialmente; sonhava ser um cartunista famoso, rico, cheio de mulheres e reconhecimento internacional. Uma mulher ele conseguiu, o resto ficamos devendo, sorry.
Quando entrou para a escola, o garoto demonstrou um talento maior do que o de cartunista, o de arranjar encrenca. Seu lema: perco os dentes, não a piada. Seu dentista chegou a oferecer-lhe sociedade no auge do nonsense.
Chegou a época de se alistar. Os oficiais do exército lamentaram assaz não terem onde aplicar tamanho talento, pela primeira vez lamentaram por não termos inimigos, pois o garoto de Curitiba sozinho conseguiria arruinar com o andamento de uma divisão inteira, tamanha incompetência. Tiveram que dar-lhe a dispensa.
Desempregado, rejeitado e devendo até os bagos, o garoto de Curitiba se viu na vidinha de sempre, chegava a ser confortável de tão acostumado. Montou uma banca em uma praça com um singelo cartaz: "Desenho por comida", mas os negócios iam mal, ninguém aceitava ser comida em troca de um desenho.
O garoto de Curitiba pensou em desistir e dar cabo da vida, até que um dia tentou cumprimentar um concidadão e sua vida mudou, a resposta daquele curitibano típico mudou sua vida, deu-lhe um chute que ele foi parar andares acima, sobre a mesa do director de um jornal, que acabava de dizer "Temos que encontrar um idiota que aceite este emprego ultrajante, ou perderemos a verba do Coitados Anônimos!". Ele viu aquela figura esdrúxula sobre sua mesa, aquela cara de perdedor pro-master e disse "Está contractado, queira ou não".
O que eles não sabiam, porém, é que Alberto Bennet é uma pessoa normal, com seus níveis de psicose controlados e suas angústias virando material para seu trabalho. Seus desenhos toscos e politicamente incorrectos chamavam atenção ainda nos anos 1980.
Desapegado, não se importa em ceder desenhos para os leitores ilustrarem seus blogs. Exprime suas frustrações com um humor corrosivo e desenhos toscos, deliciosamente toscos, capazes de arrancar risos só pela cara de mongo de seu personagem principal, o garoto de boné, que ele jura não ser seu alter ego, embora o próprio Benett seja famoso pelos seus bonés e pelo discurso pessimista, até soltar a primeira piada.
Consumidor voraz de blogs, que acabam rapidamente pelo grande volume de trabalhos publicados (aqui, aqui, aqui e aqui), tem uma vida estável de homem de bem, trabalhador honesto e talentoso. É uma prova de que não se precisa saber desenhar muito bem para ser um profissional dos traços. Desenho é técnica, técnica até um chimpanzé aprende, é preciso ter talento e um pouco de disciplina para transformar os traços em um bom trabalho, os elementos em uma boa composição e palavras banais em uma piada hilária.
Meu amigo Benett é uma pessoa de fino trato, já reconhecendo que a maturidade bate à porta, mas ele se recusa a abrir enquanto ela não disser a senha: Quantos mililitros há nos seios de Scarlett Johansson?
O talento do verdadeiro garoto de Curitiba, se baseia na capacidade de ilustrar o curitibano como o próprio não se imagina. A partir deste, ele consegue lançar tentáculos para todas as áreas, especialmente a política, que lhe consome litros de álcool para desinfectar as mãos, após cada trabalho.
Nos últimos oito anos ele fez o melhor (até a meia-noite de hoje) presidente Lula que eu já vi, agora vai se esmerar em retratar a nova moradora do Palácio do Planalto, que se verá às voltas com o temível fantasma de nove dedos, este sempre a repetir "Minha faaaaixaaaaa...".
O que mais posso dizer do garoto de Curitiba, é que o Brasil perde muito em não reconhecer seu talento. Uma alegria para quem o conhece, perdem também os paranaenses em não começar pelos seus cartunistas (como também Solda e Pryscila) uma marca registrada que agraciaria o Estado por todo o país.
Faço então este texto como humilde contribuição para que, pelo menos os meus leitores, conheçam e reconheçam o talento lunático de um homem são e bem quisto por seus amigos, mas que realmente prefere perder um dente a uma piada.
Curitibanos, meus filhos, deixem de ser ranzinzas, isto é cousa para goianiense. Quando o rapaz desengonçado de boné aparecer na sua frente, não fujam para a outra calçada, ele representa o que sua cidade tem de melhor.

5 comentários:

Adriane Schroeder disse...

Gostei muito da história de um de meus chargistas favoritos!
Ótimo ano novo pra nós, Nanael.

Nanael Soubaim disse...

Diga isto a ele, ele vai gostar.

Feliz MMXI, que agora vocês é que mandam no país; já não era sem tempo.

Adriane Schroeder disse...

Adoraria poder dizer isso a ele...
Um beijo.

Nanael Soubaim disse...

Vá ao blog actual, no Uol.

Anônimo disse...

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