quarta-feira, 18 de agosto de 2010

"Porque sim" não é resposta, ou: Talicoisa e a Democracia

Um personagem do programa Rá-ti-bum, Telekid, ficou conhecido por seu inconformismo a respostas simplistas e preguiçosas, tais como "porque sim" e "porque não".

Existem ocasiões em que tais frases são necessárias, em especial quando as questões efetuadas são apenas para embaraçar, atrapalhar ou desvirtuar uma conversa, por exemplo. Mas via de regra são apenas uma forma de se esquivar de maiores explicações, às vezes por preguiça, às vezes por absoluta falta de argumentos. Neste sentido, representam uma autocracia do tipo "é porque eu digo que é". Nesses momentos, eu me junto ao Telekid para dizer bem alto:
" ' porque sim' não é resposta!".

Nas últimas campanhas políticas, vejo uma gama infinita de candidatos de todos os partidos possíveis e imagináveis usando o "porque sim" e o "porque não" como mote eleitoral, disfarçados em meio a demagogias e falácias de todas as proporções. Vamos a alguns exemplos do vote-em-mim-porque...

1. "Sou mulher'. Ah, sim, é motivo suficiente para votar numa pessoa a dupla cromossomia X (ou qualquer outra, ou a opção sexual, dá no mesmo). Grades coisas, você não lutou para aprovar uma lei, não precisou fazer passeatas, não atuou nos conselhos comunitários."Porque sim" de gênero é ridículo.

2. "Sou evangélico". Ofende-me profundamente alguém usar religião como muleta, máscara, justificativa ou atestado de boa conduta. Eu sou luterana, evangélica. E não admito o "porque sim" religioso. De qualquer tipo que seja, inclusive o anti-religioso, porque, no fundo lógico, tem o mesmíssimo significado completar a frase acima com "sou ateu".

3. "Sou do time y". Como se torcer para A ou B fizesse de você uma pessoa mais reta, mais sábia, mais capaz. "Porque sim" futebolístico não dá. Um certo presidente de time carioca que usou este fato como campanha política está aí para provar isto.

4. "Sou famoso". Por favor, usar a popularidade como músico/cantor/dançarino/jogador de futebol/sub-celebridade tendo isso como exclusivo lema de campanha só faz com que eu imagine uma cortina de fumaça ocultando incompetência, no mínimo. Teve quem chegou a cargos importantes usando sua projeção nacional como jornalista oficial que cobriu a morte do candidato eleito (eleições indiretas) à presidência da República. Hoje, tem até mulher-fruta candidata. "Por que sim" midiático é de doer.

5. "Sou engraçado". Durante a ditadura, votar em rinocerontes e macacos poderia até ter um significado realmente contestador, um voto de protesto. Mas hoje em dia, vemos pessoas lançarem seus personagens ou gracinhas como canditados, abusando desta, digamos assim, tradição. Tudo isso me soa tão absurdo que não sei nem por onde começar. Desde quando um bordão, um quadro de programa"humorístico" ou a mera piada são qualificadores de quem quer que seja? Desculpem se pareço azeda, mas gente, "pior que tá não fica" não é razão para votar em quem quer que seja. Muito menos uma propaganda com base em afirmações estapafúrdias, como as desse candidato aqui. "Porque sim" de piada é uma total falta de respeito às pessoas.

E todos esses "porque sim" acabam sendo usados por um bando de loucos que quer porque quer de volta a ausência do voto, ou a autocracia, já que, segundo eles, brasileiro-é-analfabeto-feio-burro e disperdiça seu voto ou se vendendo ou votando nos tipos acima e seus assemelhados. Os "porque sim" alimentam esses falaciosos "porque não" contra a democracia.

Apenas para uma reflexão, o voto não é o fim da democracia, mas o meio. E é só um dos meios. Participar, fiscalizar, escrever cartas, artigos, colaborar nos conselhos comunitários, debater, entre outras coisas, também compõem o regime democrático.




E, por favor, preste atenção: cuidado com a falsa democracia.

Finalizo com a famosa frase de Churchill:
"A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais."

2 comentários:

Nanael Soubaim disse...

Ah, sim, pior do que está pode ficar e muito. Mas também pode ficar muito melhor, por isto utilizo a mente para votar, não simplesmente os neurônios, que isto qualquer bicho faz, alguns até melhor do que eu. Via de regra, não voto em quem parece usar muletas ideológicas de qualquer tipo, principalmente artistas... Salvo se um Anjo do Senhor me disser "Vai fundo, Nanis, que este eu garanto".

Adriane Schroeder disse...

Perfeito, Nanael. Muletas ideológicas são terríveis.