quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Mulé Dianúncio

Pois é, semana passada falei dos estereótipos de mulheres em novela e de como as personagens estão cada vez mais caricatas.

Mas caricatura, mesmo, é o que se vê nos diversos anúncios, sejam na TV, nas revistas, em toda parte. Enquanto ficava eu rememorando as "Mulé Dianúncio", acabei recordando dum filme que repetia direto da Sessão da Tarde.

É o divertido "Crazy People", que recebeu o apelido "Muito loucos". Aí ficou "Crazy People - Muito loucos". Nossos tradutores são mesmo criativos... Enfim, para quem não viu, é uma comédia em que um publicitário começa a fazer anúncios sinceros e vai parar no hospício. As peças que havia criado acabam fazendo um enorme sucesso mas ele não quer sair da "casa de repouso" e lá, usa os anúncios como terapia de grupo, cujas peças se tornam um fenômeno. Num dos diálogos do filme, um interno pergunta sobre um anúncio que bolou, no qual ele destacava um carro pra conseguir mulher; o publicitário disse que tinha de falar mais de sexo. O louco emenda numa só frase umas 5 citações referentes ao sexo e pergunta se é suficiente, e o publicitário diz: "quase".

A piadinha do filme virou uma máxima publicitária. O sexo - entendido como basicamente comer mulher, ou a mulher se tornar "comestível", competindo contra todas as outras pelo homem - é o mote de campanhas dos produtos mais diversos e retrata a mulher desde a mais tenra infância como bejéto sequiçual. E juro que não é cantilena feminista-talibã. Reparem nos exemplos abaixo:


1. A infância. Última fronteira da sexualidade publicitária, tem se infiltrado inclusive na vida dos bebês, que, para conquistarem a gatinha, devem usar a fralda certa, o protetor solar certo... Teve uma propaganda de chocolate que mostrou, inclusive, várias gatinhas sendo ganhas pelo garoto que tinha o chocolate certo na manga. Passava-se num acampamento tipo escoteiro e elas iam todas pra barraca dele. Outro caso: as meninas fazem desfile de moda e competem cruelmente umas com as outras pela atenção de seus galãs de seis, sete anos. Elas devem usar a roupa, a sandália, a maquiagem (!) certa para enfeitiçar os meninos, antes que as outras o façam.
2. A adolescência. Pega-se tudo que se refere à escola (inclusive material escolar), aos medos e inseguranças, a todos os espaços possíveis onde circulam os adolescentes e sexualiza-se ao máximo. Vi uma propaganda em que o garoto conquistava sua presa dando a ela um caderno. As roupas e demais objetos, então, nem se fala. A crueldade da competição feminina só se acirra nesta fase.
3. A juventude. Não muda nada em relação ao item anterior, só piora. Mas existem algumas propagandas em que dar o doce preferido da garota faz brotarem corações, flores e uma volta à uma infância não sexualizada (ainda tem propagandas românticas, awwwwwwwwwnnnn!).
4. A idade adulta. Aqui, o corpo feminino como bejéto sequissual serve pra vender de tudo; de iogurte a carro, de seguros a revistas. A arma sexual foi usada até na campanha contra o desarmamento e em outra contra os excessos no trânsito. As categorias "bebida" e "desodorante" estão entre as que pior usam a figura feminina, com mulheres que saem até com extra-terrestres (seres, hipoteticamente, de outra espécie) só porque este bebia a cerveja certa, ou que só vão com o cara que usar o desodorante certo, desistindo até de sair com astros da música.
5. A maturidade. A descoberta da sexualidade neste período da vida tem trazido algumas propagandas bem-humoradas, igual a uma em que uma moça perguntava a uma senhora se o seu acompanhante era seu marido. Ela, sapequinha: "Marido não! Tou só pegando", ou algo assim. Só não sei por quanto tempo o bom-humor vai resistir à sanha dos dois estereótipos: mullher-pra-comer e mulher-que-mata-se-for-preciso-pra-ser-comida.

Tenho, porém, que dar a mão à palmatória: o que o filme tratou como piada e agora é regra, ou seja: a excessiva utilização da sexualidade, em especial a feminina, como propaganda, não fica só no Brasil. O exemplo acima não me deixa mentir.
A questão é: o que está à venda, mesmo?

2 comentários:

Nanael Soubaim disse...

A pergunta é "O que NÂO está à vemda?". O cigarro é só um brinde de mau gosto.

Adriane Schroeder disse...

Verdade, Nanael.
E o cigarro é o que menos aparece no anúncio... :P