sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O Reino do Apocalipse

Capítulo III – Mais respostas


- Ok. Hope, então... Onde estamos?

- Em um pequeno estábulo, quase uma manjedoura – ela sorriu – perto do litoral.

- E em que país?

- França.

- Certo. Ahn... Pelo que você me disse, é africana, certo?

- Sim.

- Ahn... Então... De onde, na África?

- Não lembro, ao certo.

- Não lembra??

- Não... Meus pais sumiram, quando eu era muito pequena. Fui criada por um curandeiro de uma tribo que habitava próximo a Serra Leoa.

- Hmmm... Daí o seu sotaque, não é?

- Exatamente.

Ela sorriu novamente. Christian achou que ela mentia, mas não entendia por que. Se ela tinha cuidado dele até ali, também não adiantava ficar colocando ela contra a parede. Mesmo porque, ele ainda não estava no seu estado normal.

- Bem, e ... Hope... Você por acaso sabe o que anda acontecendo no mundo? O que houve, porque do Terremoto, essas coisas? Eu andei muito tempo. Nem sabia onde estava. Só sei que tudo está uma loucura, e as pessoas estão loucas... Sem contar esses “bichos” que andam aparecendo...

- Sim... E várias pessoas que eram boas sumiram também, não é?

- Ahn... Sim. – Ele baixou a cabeça, se lembrando de Vie.

- Bem, mister Christian. Essa pergunta não é tão fácil de responder. Você crê em Deus?

Era uma pergunta um tanto quanto complicada para ele. Tinha sido batizado e feito a catequese na Igreja Católica, mas nunca havia sido uma pessoa ligada à isso. Sem contar o fato de que nunca havia sentido a necessidade de Deus em sua vida, e tudo mais.

- Digamos que eu não duvide, mas nunca fui beato, nem algo do tipo.

- Bem, Christian... Acho que você deveria começar a acreditar.

Ele estranhou o tom que ela usou. Falava sério demais. Queria entender.

- Bem, e... Ahn... Por quê?

- Já leu a Bíblia alguma vez, Christian?

- Não. Só algumas partes, aquelas que falavam sobre Adão e Eva, e sobre Jesus Cristo. E isso na Catequese. Sempre achei que havia vários erros ali. Não conseguia crer no que lia.

- Eu entendo. Já começa com a questão de Adão e Eva serem expulsos do Paraíso sem ter feito nada, quando a Igreja vivia dizendo que eles foram expulsos por terem feito sexo, certo?

Ele se assustou com a franqueza dela. Ainda mais, uma garota pequena como ela falando de sexo.

- Bem... É... Ahn... Isso... – E deu um sorriso amarelo.

Ela riu.

- Hahahaha, Christian. Eu sei o que é sexo.

- Ahn... Tudo bem. Mas... O que tudo isso tem a ver com o que está acontecendo?
- Ah, isso é um pouco mais complicado. Veja bem, a Bíblia realmente tem várias coisas, não exatamente erradas, mas confusas. Mesmo assim, tem importantes lições. Mas o que importa para nós não está no Gênesis ou nos Evangelhos.

- Certo. E onde está?

- Lembra-se de qual é o último livro da Bíblia?

Teve que fazer um esforço. Nunca havia feito mais do que folhear a Bíblia, exceto pelas partes que havia realmente lido. Sabia que depois dos Evangelhos havia os Atos dos Apóstolos e livros que contavam a estória de Paulo de Tarso.
De repente, lembrou-se.

- O Apocalipse de São João?

- Exatamente.

- E o que é que tem?

- Bem... Você não o leu, creio?

- Pra falar a verdade... Não.

- Ok. Então vai ser mais complicado do que eu imaginei.

Ele assentiu, sem saber exatamente o que deveria esperar.

- Bem, Christian. O Apocalipse fala de um sonho de São João, onde ele previa o fim do mundo.

- Fim do mundo? – Ele arregalou os olhos.

- Sim – Disse ela, rindo – mas não era exatamente tudo verdade.

- Como assim?

- O Apocalipse se refere mais exatamente à destruição do mundo como o conhecemos, e não ao seu final.

- Ahn... Olha, Hope... Isso está ficando estranho.

- Eu sei. E acho que isso tudo foi informação demais pra você. Descanse agora.

Ele não recusou. Deitou-se.

- Eu vou buscar mais comida. E vou tentar encontrar roupas limpas pra você. Durma.

Ele obedeceu, mas ainda ficou pensando sobre o que ela havia dito. Apocalipse? Destruição do mundo? E outra coisa... Como uma criança poderia entender tudo aquilo?
---§---

Uma das criaturas vinha em sua direção.
Ele correu, buscando se proteger.
A criatura corria atrás dele.
Ele entrava por um beco escuro, tentando se esconder.
Ao chegar ao final do beco, não encontrou nada onde se esconder. Olhou de um lado para o outro, sabendo que a criatura poderia vê-lo.
Virou-se.
Era tarde demais.
A criatura estava ali.
Não havia armas, não havia nada.
Estava tudo escuro.
Apenas os olhos vermelhos da criatura brilhando.
E aquela boca aberta, com dentes enormes, e aquele hálito fedorento.
Ele suava, pensando que estava perdido.
A criatura o fitava.
Ele não sabia o que fazer.
A criatura se ajoelhou à sua frente.
E o reverenciou.

---§---

- Christian?

Ele abriu os olhos, assustado. Era dia novamente.

- Está tudo bem com você?

- Está... Está. Um sonho ruim. Só isso.

- Ok. Bem... Coma. Vai se sentir melhor.

Novamente, frutas, água e pão. “Meu fígado vai ficar mal acostumado”, pensou.
No caminho até ali, tudo o que ele havia encontrado que não estava estragado, eram vinho e cerveja. A água estava escura, por todos os lugares aonde ele havia passado. Sempre havia animais mortos próximo aos rios, ou lagos. Nas casas, não havia água.
Terminou sua refeição, e Hope lhe deu roupas limpas. Eram roupas comuns: uma calça jeans, uma camiseta branca, meias e um par de tênis.

- Aonde arrumou tudo isso?

- Tirei de um homem que tinha o seu tamanho.

- Tirou?

- Sim. Ele estava morto.

Ele arregalou os olhos. Ela riu.
- Hahahahahaha. Não, encontrei em uma casa abandonada. Achei que iriam lhe servir.

- Bem... Ahn... Acho que servem.

- Hmmm... Entendo. Você fica encabulado com a minha presença, certo?

- Bem... É.

- Tudo bem. Vou até lá fora. Quando terminar, me avise.

- Ok.

Ele já conseguia se levantar. Estranhamente, pois fazia apenas dois dias que havia acordado, e já estava bem. Acho que teria que ficar um longo tempo ainda sem se mexer.
Vestiu as roupas limpas, o que era um alívio. Desde que havia saído de Londres, não havia tomado banho, e as roupas ainda eram as mesmas. Ressentiu-se de não poder tomar um banho. Mas... Se já havia sobrevivido a aquele corte, do que podia reclamar?
Viu seu sobretudo preto em um canto. Gostava dele, especialmente porque o havia ganhado de Vie. Mas estava muito quente pra usar aquilo, agora.
Resolveu arriscar, e andar para fora do estábulo. Abriu a porta, e ia chamar Hope quando olhou em volta.
Haviam dezenas de barcos encalhados na praia.
O ar lhe faltou.
A visão escureceu.


E agora, o que mais falta...?

1 comentários:

Nanael Soubaim disse...

Falta ele ser puxado para dentro, pela orelha.