sábado, 4 de julho de 2009

Chove

Observa aquela criança brincando no parque, sozinha.

Se pergunta porque aquela criança está sempre sozinha. Sempre que vai àquela praça, lá está aquela criança brincando sozinha na areia, com com a areia, nenhum brinquedo, nem mesmo um galho para desenhar, desenha com os dedos.

Ouve ABBA, "One of us". O sol parece não incomodar, o ruído dos carros também não. Um suspiro longo e pausado tira a atenção. Lá longe há nuvens pesadas de chuva se formando, mas o vento as manterá por lá.

O pipocar de um DKW Belcar desperta e volta a prestar atenção na criança. O sanduíche que fez está na bolsa, esfriando em um saquinho de padaria. Pobre? Não, praticidade. Uma vasilha prática ocuparia muito volume, assim que comer o espaço estará livre.

"Quando M'Innamoro" por Gigliola Cinqueti sai daquele Dodge Dart. Imagina o que aquela criança virá a ser, quando crescer. As crianças estão crescendo tão cedo e tão rápido! Os dias mal passam e já alçam vôo. A criança faz três montinhos com a areia, parece conversar com eles, tocando cada um com seus dedinhos frágeis e peraltas.

O Dart estaciona e toca "Sera". Olha aquela criança com uma ternura sem fim, poderia ser sua filha. Imagina planos para a sua educação, métodos de formação para seu caráter, seus namoros, sua profissão... Tem cara de assistente social. Vez ou outra ela solta um gritinho de contentamento, são imagina pelo quê, mas sempre é acompanhado de uma risada muito característica.

Sente cheiro de terra molhada. Tinha razão, o vento manteve a chuva longe, mas o cheiro calmante se espalha rapidamente pela cidade. A criança também sente o cheiro, estica o pescoço para ver as nuvens, compara-as com o céu azul sob o qual descansa. Aquela criança poderia ser sua filha. Fosse, lhe daria as chances que não teve, lhe passaria suas experiências tão logo tivese discernimento, para que pelo menos cometa seus próprios erros, em vez de repetir os erros alheios. Certo que ela terá seus prórpios sonhos, mas não custa orientar, mostrar os obstáculos e orientar para ajudar a superá-los sem traumas desnecessários. Porque nem todo sofrimento é necessário, na verdade a maioria não é. Mas somos teimosos, insistimos em esfregar a ferida só porque coça. Nisto a vida passa e os sonhos se vão com ela. Sonhos são caros demais para serem desperdiçados, isto deveria ser ensinado na escola.

O vento muda e as nuvens começam a se aproximar. É hora de ir embora. A criança corre para dentro do Astra, dá partida e sai. Lá dentro a tempestade cai. Poderia ser sua filha, mas é ela mesma.

2 comentários:

Adriane Schroeder disse...

Que lindo texto, Nanael!
Todos nós gostaríamos de cuidar dessa criança. No fundo, somos também filhso de n´so mesmos e de nossas escolhas, e àss vezes nos damos conta disso meio tarde...
Pronto, suspirei...

Nanael Soubaim disse...

Só deixei sair.