sábado, 23 de maio de 2009

O elogio, a adulação.

Há uma fronteira tênue.

Antes de mais nada, um elogio é quase sempre um a cobrança. Se te chamam de inteligente, se dizem que gostariam de ter tua aptidão, que ficam impressionados com tuas idéias, cuidado!

Primeiro porque a maioria vai te cobrar ser genial o tempo todo, qualquer erro que para outros seria um deslize banal, para ti será uma sentença condenatória. Não estou brincando, nem é exagero. Se tens um talento, qualquer que seja, e te elogiam por causa dele, amizade, é um passo para se tornar vítima do que deveria te dar o sustento. Mais ou menos como o rinoceronte, que por causa de uma das armas mais temidas da natureza, seus chifres de marfim, está ameaçado de extinção em vários países da África. Que zebra não gostaria de afugentar uma hiena apenas balançando o nariz? Infelizmente o mercado negro também gostaria de ter esses chifres e não mede conseqüências para obtê-los.

Não digo que o elogio não seja bom. Há muitas pessoas que fazem questão de te valorizar e dar o devido crédito aos teus méritos. Reconhecem que seus carrinhos de papelão são muito melhores do que elas conseguiriam fazer com madeira. Há também, entretanto, os aduladores (insira aqui um solo de órgão a vapor para filmes de terror) que têm a mesma aparência dos fãs. Aqui a cobra fuma, e sabemos que o tabagismo mata, pois a adulação também.

O adulador não se contenta em alguém ter talento, ele quer ter esse talento a seu serviço. Ou seja, o adulador é também um invejoso da pior estirpe. Por que? Porque ele se passa por aliado muito melhor do que teus verdadeiros aliados, ele está ao teu lado o tempo todo até conseguir tudo o que quer, quando não conseguir mais, te abandona e busca outra vítima. O adulador enche teu ego até estourar, te tornando dependente dele, te afastando dos outros, por fazer com que pareçam não te dar tanto valor. Quando vê... Pum! Ele passa a te comandar.

Como ele faz isso? Enquanto te elogia, ele vasculha a tua personalidade e busca teus pontos fracos, algo que um ego inflado exibe em letras de néon. Nos pontos fracos expostos ele se instala e passa a agir, sempre elogiando, sempre enaltecendo, sempre te colocando como um dos (se não o maior) gênios do gênero.

É aí que mora o perigo do elogio, ele se transforma em adulação a mais tênue baixa da tua guarda. Lembremos daquele ditado do Espiritismo: Vigiai e Orai. De nada adianda rezar o Pater Noster pensando na calcinha rendada que viste no varal da vizinha. Antes vigie o teu ego, discipline-o, então estarás pronto para receber elogios. Se bem que, quem faz isso, não se encanta com eles.

Na ausência de um adulador, o ego invigilante toma seu lugar. Chega o momento em que a pessoa não consegue viver sem uma platéia, precisa desesperadamente de uma massagem egóica. Os artistas cênicos e músicos sabem muitíssimo bem do que falo. Suicídios no meio não são raros, muitas vezes por não suportarem um mero (e até salutar) hiato na carreira. Elogio vicia.

Mas os amigos mais íntimos e sinceros não estão a salvo de serem algozes do elogiado. Imaginem nossa amiga Luna, que sempre consegue transformar em textos de primeira os seus maus humores. Se fôssemos companheiros um pouco menos maduros e um pouco mais entusiasmados, estaríamos cobrando dela o tempo todo um texto mau-humorado e muito engraçado. Chegaria o ponto em que ela se deprimiria, porque ninguém é mau-humorado o tempo todo, nem mesmo o Zangado da Branca-de-Neve. Muito menos mau-humorado e engraçado o tempo todo, nem mesmo Jerry Lewys. Nós perderíamos nossa valorosa companheira de blog, este que inevitavelmente se dissolveria em pouco tempo.

Uma pessoa de talento é mais talentosa quando deixada em paz. Assim como Garrincha deu seus maiores espetáculos em campinhos de terra batida, descalço e longe das câmeras. Não preciso dizer o que o inflar de ego fez com ele. Aprendamos com seu exemplo. Elvis Presley deu a volta por cima quando decidiu só cantar aquilo em que acreditava, até ser morto pelas drogas que seu empresário forçada o médico a enfiar nele. Não, queridos, não foi suicídio, nem ele, nem Marilyn Monroe. No caso dela, foi uma fatalidade mesmo, na época não se cogitavam os malefícios dos phármacos sintéticos. Quase tudo o que se fala desta indústria é verdade.

Voltando ao assunto, a pressão sobre quem recebe o elogio tem um peso a mais que quase ninguém nota, o que o torna mais cruél: o próprio elogio. Quase ninguém imagina que um elogio possa fazer mal, que possa soar como cobrança, que possa deprimir, então cobra que o elogiado esteja feliz em ser elogiado. Não é por maldade, é por ignorância. Mas o elogio é uma cobrança. Nem sempre maléfica, mas é uma cobrança, e quanto maior for o mérito da lisonja, tanto maior é a cobrança para manter o nível. Imaginem que o mundo é um gibi. Imaginaram? Óptimo. agora imaginem se Clark Kent não tivesse o alter ego Super Homem. Super Homem não tem família, residência, identidade, nada. Super Homem não existe nem nos quadrinhos, quem existe é o Clark, co-identidade de Kal El. Por não existir, Super Homem pode receber todas as cobranças possíveis, pois elas desaparecem quando ele põe os óculos e volta à labuta diária para pagar as contas e sustentar a família. Ainda bem, pois ser honesto, honrado, gentil, educado, indestrutível, quase instantâneo, forte, elegante, culto, bem relacionado no Universo inteiro, bem apessoado, afinado, inteligente, jovial, ponderado, et cétera, et cétera, et cétera, leva qualquer um às portas do suicídio. Com ele seria ainda pior, porque décadas de exposição com certeza o tornaram resistente à kriptonita, ou seja, nem se matar ele poderia.

Elogio é bom, mas é como um medicamento, deve ser sabiamente dosado e ministrado. Alguns precisam de muitos elogios, alguns de um só elogio de grande magnitude, mas ninguém precisa ser elogiado o tempo todo, ainda que acredite precisar. A crítica honesta e oportuna é o melhor que os amigos podem fazer por uma pessoa talentosa, claro que acompanhada de um elogio singelo e sincero.

Texto feito para nossa amiga Fofolete, que demonstrou um imenso interesse pela minha complexa e lebiríntica personalidade.

5 comentários:

Luna disse...

O excesso de adulação é responsável pela dificuldade que algumas pessoas têm de aceitar elogios. A gente nunca sabe se está sendo elogiado ou bajulado.

Quando uma vendedora diz que aquela roupa foi feita para você, não há dúvidas: é bajulação para vender.

Quando a sua colega diz o mesmo, será que ela está sendo sincera?

Eu desconfio sempre, quando alguém me elogia...

Lótus disse...

Eu, que fui criada na cultura da sutileza e na parcimônia dos elogios, tenho a pele fina, fina demais. Deixo transparecer meus gostos e desgostos, elogio quando acho bom, critico quando acho ruim. E, boba que sou, sempre acredito que funciona assim com todo mundo...

Paciência.

Mas estou sorrindo agora, e diante da raridade do meu sorriso nos últimos tempos, acredite, isso é um baita elogio!

Lótus / F.

Adriane Schroeder disse...

Excelente texto, Nanael. Como sempre, aliás.
Elogios te animam, bajulações te paralizam.
Um elogio é um sopro de ar, a bajulação é como a anestesia que a aranha dá em suas presas.
Infelizmente, há mais pessoas dispostas a ser a aranha que o sopro de ar.

Nanael Soubaim disse...

Imaginei que teria esta reação, Lótus. Cresci em um meio grosseiro e hipócrita, aprendi a diferenciar adulação de elogio e a apreciar este, que é raro.

Gabriel Leite disse...

Foi a melhor análise que eu li até hoje sobre elogio e bajulação. Realmente, pouco se sabe sobre a pressão que o elogio pode exercer no elogiado.

Iria fazer mais alguns elogios, mas decidi me conter. rs