sábado, 31 de janeiro de 2009

Cidade vazia

Ninguém por perto, nem a vista, nem a prazo ou em suaves prestações. Poderia baixar a calcinha e fazer as necessidades no meio da praça que não haveriam testemunhas. Ou Haveriam?

Um homem à sombra do poste. Seus olhares se cruzaram. Ele tira a mão esquerda do bolso, ela põe um pé atrás. Ele levanta a mão lentamente e ela fica gelada de medo, dá um passo para trás. Ele põe um pé à frente e ela começa a se afastar. Ele se aproxima e ela anda com decisão, logo está em fuga.


A cidade vazia, se lhe dava aquela liberdade, ora cobra o preço de não ter a quem recorrer. Nem se atreve a gritar, seria em vão e poderia causar uma reação rude do perseguidor.


Vê uma igreja. Sabe que está fechada, mas a lua cheia gera sombras intensas na planta recortada daquela nave. Se esconde no grosso portal de uma entrada lateral. O homem não consegue vê-la, mas sabe que o brilho da blusa dourada a denunciará, se mover um músculo. Ele põe as mãos na cintura, coça sob o chapéu e se vai. Ela solta a respiração e sai à luz da lua, pois também não enxerga cousa alguma àquela sombra.


Mas tinha que acontecer algo. Ela pisa no rabo de um gato vadio, que não só chama a atenção do homem, como lhe arranha o sapato novinho. Não é à toa que detesta gatos, é até alérgica a eles. Volta a correr dentro do que os saltos médios lhe permitem, o que compensa em parte com as pernas longas e bem torneadas, propositalmente expostas pela saia levantada, para esta não lhe atrapalhar a fuga. O homem se interessa mais por ela.


Uma árvore. Por Deus, como vai subir em uma árvore daquela tamanho? Olha em volta e vê uma lixeira. Engole o nojo e se esconde lá. Está vazia, menos mal. Ele passa, mas de novo o maldito gato aparece e faz escândalo quando a vê no seu lugar de refeição. Jura que se escapar fará uma petição pela castração dos gatos da cidade.


É atrasada ao ficar presa à grade de um jardim, a qual tentou pular, rasga a saia e corre, agora sem ter que levantá-la, mas a lingerie perolada aparece sutilmente por trás.


É acuada à entrada de uma escola. Ele chega ofegante, mas inteiro. Dá um sorriso que não parece ser de malícia, pergunta se ela se machucou...


- Por que correu de mim?


- Bem... Por que você correu atrás de mim?


- Eu vi você assustada, pensei que estivesse com problemas. Eu sou médico. Você se machucou?


Ela começa a rir desatadamente. Mas agora vê que realmente não consegue dar um passo sequer. É carregada até o Chevrolet 1952, já meio surrado, mas suficiente para um homem austero que não tem família para sustentar. Facto que é resolvido naquela mesma noite, desembocando nas núpcias em poucas semanas.