sábado, 13 de dezembro de 2008

Clic

Eu gosto de photographia. Não de fotografia, mas de photographia.

No último domingo de cada mês, vou ao Mercado Aberto da Avenida Paranaíba, photographar os carros expostos e a feirinha de pulgas. Oldsmobile Cuttlas 1961, DKW1966, Maverick01978, Ford A 1929, Fusca 1953, Lambretta 1958... Eu adoro. Por gostar de carros antigos, acabei ficando bom em phorographá-los, pois sei o que os apreciadores pensam e o que gostariam de ver. Capto bem a personalidade dos carros e das peças à venda.

Imaginem um Puma amarelo, como muitos que a garotada despreza. Um carro simples, um metro e dezesseis de altura, desenho ousado sem ser grosseiro. Mas dependendo do ângulo e da iluminação, acreditem, ele impressiona. Clicado na altura dos faróis, em diagonal, o perfil de flecha do conversível se mostra sem pudores.

Também gosto de art déco. Goiânia tem bastante ainda preservado, e o que está sendo restaurado. Em breve retratarei os prédios no meu Flickr, onde publico as imagens dos encontros de carros antigos.

Mas há um tipo de photographia que, por motivo que não me cabe dizer, eu não tenho. Photos antigas de família. Me encanta de sobremaneira uma photographia em branco e preto, com alguns adultos em roupas da época, um monte de moleques ao redor, uma Kombi Jarrinha ao fundo e uma casa com o ano de construção moldado na fachada. Isto para mim é poesia pura, é música visual que chega a me arrancar lágrimas, por vezes dolorosas. Imaginem ver uma molequinha espevitada só de calcinha de babados, toda suja de lama; noutra photographia, colorida, a menina já é uma mocinha mais comportada, usando mini saia e com um long play nas mãos; noutra já é uma mulher feita, com uma criança no colo.

Tu olhas uma de mil novecentos e quarenta e abobrinha, vê aquele espetáculo mais sublime do gênero feminino, pesquisa e "Como assim, faleceu em 1998?". É uma frustração não ter conhecido toda aquela gente, pois com o tempo e os cliques, se pega intimidade com a imagem de qualquer photo que te agrade. Tanto quanto é uma frustração Goiânia já ter a importância e a estrutura que tem, e o site da prefeitura não passar de um balcão de expedição de taxas, sem ter um único arquivo, um albunzinho que seja, de imagens da cidade. Quem enxerga além dos olhos viciados do homem comum, descobre belezas escondidas detrás das fachadas comerciais.

Um bom photógrapo, que espero ser em um futuro breve, aprende a valorizar o motivo que lhe deu a imagem. Para mim dói saber que as pessoas desencarnem mais cedo do que deveriam, é como se ganhasse um livro bem ilustrado, caro e raro, e alguém simplesmente subtraísse as páginas que faltam ler.

Da mesma forma é o urbanismo. Os prédios que substituem os demolidos raramente se equiparam em beleza, qualidade e carisma, até porque a maioria vai abaixo em menos de vinte anos, não terá tempo para fazer história. Uma de minhas predileções é art déco, como já disse. Mas também gosto muito do estilo moderno dos anos 1950/60, que Goiânia também ainda tem muito. Espero photographar ao menos uma duzentas construções, antes que a feiura taxada de modernidade as substitua.

Por mim, eu teria sociedade em linhas aéreas, para poder estar em várias partes do mundo em pouco tempo e delas colher a história, as impressões, as amizades, a sabedoria e as imagens que cada lugar tem sem par com qualquer outro do mundo.

Embora de pior qualidade e lenta para registrar a imagem, a câmera digital é uma excelente escola. Não gastarei cinco mil pilas numa Canon bem equipada enquanto não tiver (verba e) segurança de que posso gastar filmes nela. Um laboratório doméstico também é caro, mas é onde o photógrapho se sente não um tirador de fotos, mas um Photógrapho. Enquanto isto não me é possibilitado, vou dividindo a câmera amadora digital de foco fixo da família. Só por enquanto.

O cotidiano, estejam certos, é a maior fonte de imagens que existe. Que mulher não se sente aliviada ao ver Nicole Kidman num vestido comum, limpando o vômito da filha como qualquer outra? E que mulher não sente vontade de gritar ao ver que mesmo assim é maravilhosa? Daqui a muitos anos, a filha dessa senhora que se descabela vai contar aos filhos que já houve mulher bonita de verdade, sem implante de rosto mecânico, mostrará as photographias e dirá que ela era natural.

Enfim, photographia bem tirada é um tesouro. Um documento de uma época. Aconselho a todos que comprem, ainda que seja aquela caixinha made in Paraguay (China não, é escravocrata) de R$ 50,00. Durará quase nada, mas vai te ensinar na prática e te dar gosto pela photographia, como o fez comigo. A photographia acima é um trecho da Avenida Goiás, que faz esquina com o Mercado Aberto, tirei enquanto esperava o ônibus para voltar para casa.

2 comentários:

Adriane Schroeder disse...

Gosto de fotos também!
As antigas, lógico, são minhas preferidas.
Belo texto, meu amigo!

Anônimo disse...

Como você bem comentou "photographia bem tirada é um tesouro ", é uma arte que poucos conseguem captar. Eu mesma não tenho esse dom, mas adoro admirar as fotos de quem tem...
Fotos simples como o da avenida que vc mostrou, mostram mais que muitas palavras...

Belo texto!