quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Cartas

Eu penso que as cartas têm uma particularidade interessantemente boba: é o fato de você precisar manuseá-las antes do envio.

Precisa esfregar o pulso pelo papel, enquanto escreve. Depois, esfregar as pontas dos dedos na folha, para dobrá-la. Depois colar e selar o envelope. (Passar a língua só funciona no desenho animado).
E é um barato que o destinatário receba aquilo que o remetente manipulou. Ora, vai junto com o envelope, o carinho, o cuidado. Ou a raiva, o ressentimento - dependendo do conteúdo da carta.
Talvez dê pra sentir isso até mesmo antes de desabotoar o envelope com as bordas verde-amarelo.
E dá pra conhecer a caligrafia do amigo. Se rabisca, se escreve. Que caneta terá usado pra redigir a carta? Se a caneta estourou durante a escrita, borrou as linhas da folha destacada de caderno.
Se usou uma folha sem pautas, a falta de coordenação motora fez com que as linhas dançassem no papel.
Se a notícia é boa, a leitura flui gentil e animada. Se for uma novidade não muito agradável, o texto sai apressado, nervoso. Dá pra notar o estado de espírito de quem escreve a carta.
E a carta viaja por lugares que os correspondentes nunca estiveram antes. A carta passeia enclausurada em caixas, amarrada com elásticos. A carta é posta em cubículos, depois separada por endereço. A carta não carrega só o conteúdo do envelope.
Parece absurdo escrever cartas “à moda antiga” diante da praticidade do e-mail ou do scrap. (E é, de fato).
Acontece que as cartas, essas de tinta e papel, precisam de outro tipo de energia pra ser feitas, que não a tecnologia.




6 comentários:

Edu disse...

Grande texto, pequeno roedor das florestas e parente do Pernalonga.

Como eu já te disse, quando consegue extravasar seu lado romântico, é quando você consegue atingir a genialidade.

Parabéns.

Abraços.

Rafaela disse...

Só posso concordar com tudo isso que você escreveu.







E com o comentário do Phio, também!

Adriane Schroeder disse...

Que texto lindo, Dave...!
E gostei dessa imagem tb.

Marcos Lima disse...

Caro Dave,

Fico muito feliz por ter escrito um texto dessa natureza, falando sobre as cartas e todo o brilho que elas têm! Pena que esse brilho fora ofuscado pelo poder da tecnologia. A última carta que me lembro ter escrito foi pra uma menina por quem estava saltitante de amores, na oitava série.

Parabéns

ASS: Marcos Lima

Anônimo disse...

Momento AAAWWWNNNNNNN

Luna disse...

Muito sensível da sua parte, querido Dave. Pena que as cartas que já te mandei foram todas sem palavras.