quinta-feira, 1 de maio de 2008

A notícia como espetáculo

Jornalismo é uma das minhas paixões. Sempre foi. Não foi difícil escolher a faculdade que faria, porque já tinha convicção da profissão que gostaria de seguir. São vários os motivos pelos quais a decisão foi tomada com facilidade. Um deles é que eu sempre achei que o jornalista tem um importante papel na sociedade. É ele que conta o que de mais importante acontece no bairro, cidade, país, mundo.

Mas, apesar de eu ser jornalista, tenho uma visão bem pé no chão do que essa profissão acarreta. Se existe algo em que eu não acredito - e durante a faculdade os professores nos orientaram a isso - é na imparcialidade. O jornalismo não é imparcial e não deve ter a pretensão de ser. A parcialidade surge desde o momento da escolha daquilo que é importante para o público saber e o que não é. A partir daí, a conhecida audiência é que fala mais alto.

José Arbex Jr., um dos jornalistas que mais admiro, escreveu um livro que explica como a audiência rege a atividade jornalística nos dias atuais. Em Showrnalismo, a notícia como espetáculo, Arbex ensina a ler a mídia. É um livro cético e crítico, mas leitura obrigatória para aqueles que querem entender um pouco melhor o que acontece hoje nos meios de comunicação. “‘Fatos’ e ‘notícias’ não existem por si só, como entidades ‘naturais’. Ao contrário, são assim designados por alguém (por exemplo, por um editor), por motivos (culturais, sociais, econômicos, políticos) que nem sempre são óbvios. Mas essa operação fica oculta sob o manto mistificador da suposta ‘objetividade jornalística’”. A isenção é algo complicado.

Falei tudo isso para chegar ao caso da menina Isabella, que domina todos os veículos de comunicação há um mês. Não vou entrar no detalhe da crueldade do crime, dos acusados ou da postura de advogados e promotores envolvidos no caso. Isso não é da minha alçada. O que posso comentar é sobre a cobertura que vem sendo feita ao longo dos desdobramentos do caso. Cada resultado da investigação, cada movimento é divulgado como se fosse a descoberta do ano. Os acusados, a mãe da menina e os familiares tornaram-se os protagonistas de uma tragédia que bate em nossas portas todos os dias. É praticamente impossível ligar a televisão, abrir um jornal ou uma revista e não se deparar com esses personagens. Eles estão inseridos no nosso dia-a-dia, quer você queira ou não. E tudo isso por que? Por causa da incessante e incansável cobertura jornalística do caso. Fiquei mais impressionada no dia que aconteceu a simulação do crime. Algumas emissoras acompanharam desde o início da manhã até o fim dos trabalhos da polícia e perícia. Alugaram apartamentos para ter uma imagem melhor, disponibilizaram uma enorme equipe de jornalistas e cinegrafistas para acompanhar tudo. E, junto a esses, mais centenas de jornalistas se acotovelavam para conseguir a melhor imagem.

Existe um filme, A montanha dos abutres, que também mostra como a busca doentia por audiência pode resultar em tragédia. No filme, a chamada “imprensa marrom” atua exatamente da maneira que os meios de comunicação estão agindo no caso Isabella. Vale a pena conferir as imensas semelhanças que existem entre um filme de ficção e um acontecimento da vida real.

A resolução da morte de Isabella virou um show, um espetáculo que todos querem saber o final. Parece que nunca nenh
uma outra criança foi assassinada de maneira cruel e desumana. Enquanto a mídia dá destaque para a menina Isabella, quantas outras crianças não sofrem abusos e são mortas pelo Brasil e mundo afora? Esse é o jornalismo que temos hoje. Mas esse não é o jornalismo que defendo e que quero seguir. Se eu acredito em um jornalismo de qualidade? Sim, acredito. Porque quero acreditar que a paixão que me fez escolher essa profissão tenha feito muitos outros enveredarem por esses campos. José Arbex Jr. escreveu que vivemos em uma sociedade do espetáculo. Eu espero um dia escrever que essa máxima foi derrubada e que o verdadeiro sentido do jornalismo finalmente veio à tona.

E no espetáculo da vida, quem são os verdadeiros palhaços?

10 comentários:

Luna disse...

Fico passada com a cobertura do caso Isabella. Mas os jornalistas agem assim porque o público gosta. Não tem gente que falta no serviço para ficar plantado na frente do prédio?

Aliás, não sei se as pessoas se empolgam com o caso porque a imprensa faz um auê, ou se a imprensa faz o auê porque o público se empolga... Não sei mesmo.

Acho que abutres somos todos nós.

Katielle disse...

Os jornalistas agem assim pq as pessoas se interessam assim...o que causa isso são as pessoas que se interessam por isso...Mas eu acho um absurdo na verdade...existem casos muito piores por ai que nem são comentados...Mas fazer o que??


http://fortalezadevidro.blogspot.com/

Para tudo um pouco disse...

Ola, tudo bem?
Vi seu blog através de um jogo (comente no blog a cima) de uma comunidade relacionada a blog, e gostaria de dizer que adorei o mesmo.
Claro, pelo fato de você ser jornalista implicou numa atenção maior rsrs.
Não jornalista e nem faço faculdade, mas garanto que meu destino seria outro até este presente momento, se tivesse din din, ou seja, AMO A PROFISSÃO e já a escolhi para fazer parte de minha existência. Só falta saber quando darei inicio rs!
Enfim, belo blog e pelo texto, voltarei a lhe visitar mais vezes!
Abraços

Natália Coelho disse...

Já me interessei de cara pelo texto quando você disse que o jornalismo era uma de suas paixões. Vou prestar vestibular pra comunicação mas ainda estou na dúvida se sigo jornalismo ou publicidade.
Mas em relação ao seu texto,também me assustei com esse sensacionalismo do caso Isabela,não suporto mais notícias sobre o caso e nem quero saber quem é o culpado.
Na minha opinião esse caso só virou esse show todo porque o povo tem uma curiosidade mórbida pela desgraça alheia,a mídia aproveitou e encobriu uma série de coisas mais importantes.

Abraço

Rafaela disse...

A Record News transmitiu a reconstituição do crime o tempo todo!
Eu desligo a TV quando começam a falar da Isabela, já deu. Até notícias do tipo "mãe de Isabela faz homenagem no orkut" o povo publica !
No colégio eu sempre lia uns livros do José Arbex e do Nelson Bacic Olic, eles são muito bons.

fabio_ disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
fabio_ disse...

Claro, é uma situação que choca. A mim, em especial, porque moro nesse bairro.
Choca e irrita. Porque, pra corroborar toda a pressão da mídia, há reportagens analisando o motivo de tanto interesse do público. Talvez pra aliviar a culpa das pessoas por tanto interesse no mórbido.

Minha dúvida é: quando será que aprenderemos a lição?

Melissa de Castro disse...

Olha só que legal!
Maravilha ver leitores novos no Tali-Coisa. Voltem mais vezes.

Jornalismo é sim uma das minhas paixões, mas eu fico triste em ver como a profissão descambou totalmente daquilo que me levou a fazer a faculdade. Hoje, essa busca incessante pela audiência engoliu o verdadeiro significado do jornalismo. E no meu TCC eu e minha amiga falamos sobre isso.

Enfim, é uma discussão que ainda dá pano pra manga e bom saber que existem mais pessoas interessadas pelo tema.

E, Fabio... eu acho que nunca aprenderemos a lição.

Meg, a Record e Record News transmitiram tudo minuto a minuto. Chegou a dar nervoso.

Luna, eu acho que os jornalistas agem assim porque descobriram que o que choca dá audiência. E o público aproveita essa situação para aparecer um pouquinho na televisão. Dia desses a Globo exibiu uma matéria sobre os anônimos que ficam plantados onde a imprensa está. A maioria fala que está chocado e tal, mas não perde a oportunidade de divulgar seu negócio, distribuir santinho para eleição e carregar cartazes engraçadinhos como se estivesse em um estádio de futebol.

Virou um show, mesmo!

Beijos!

Nanael Soubaim disse...

Execrável, mas não surpreende. Já trabalhei com jornalismo.

Anônimo disse...

Estava comentando com meus pais sobre exatamente isso que você escrever: há exagero em tanta cobertura. A noticica já encheu e tanta audiência só não vai ajudar no caso.
Esses exageros me deixam com muitos pés atrás quando se trata de jornais e revistas.